sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Luar prateado parte III

Como um pesadelo! Eu queria correr, queria berrar, mas o medo, o medo não, o medo é natural e até saudável, o pavor! O pavor havia  tomado conta do meu corpo e paralisado cada um dos meus músculos! Nem respirar direito eu respirava! Da minha boca só saia um gemido minguado, um choro fraco, um lamento: eu ia morrer e seria igual a uma ovelha, indefeso e impotente.

-Au au au au au au au au... *ponf!

Só que não era eu quem a criatura queria. Ouvi uns latidinhos estranhos e algo pequeno bateu na minha perna. Levei um susto e isso me tirou do choque, me tirei e vi que um lobinho havia trombado comigo, atrás dele estavam seus irmãozinhos e seus pais, dois grandes lobos prateados, com a pelagem manchada de sangue... meteriam bastante medo se não fossem aquelas criaturas. Sim! criatura! Havia duas delas perseguindo a família lupina. Elas estavam caçando, acabaram de emboscar os lobos. E eu no meio daquilo tudo...

Vi um vulto e me joguei no chão, as coisas deram o bote, agarrei o lobinho que estava perto de mim e me encolhi, houve uma luta feia e os lobos levaram a pior. Quer dizer, eu não vi nada, porque estava encolhido no chão chorando de medo, mas quando o barulho da luta cessou, quando um silêncio aterrador banhou o local, eu tive coragem para me levantar e olhar em volta e vi os filhotes, pior, pedaços dos filhotes e nada dos pais.

-Au au au au, auuuuuu, auuuuuf

O lobinho que eu tinha salvo logo notou o que aconteceu e começou a latir e uivar, em desespero, como se estivesse chamando pelos pais. Mas chamou outra coisa...  Uma das criaturas resolveu voltar para acabar com o último da ninhada.

Ela veio caminhando calmamente, ereta e até com certa dignidade até que me percebeu. Então ela parou e ficou assim por um tempo, como se estivesse olhando para mim e o lobinho, depois colocou aquela longa língua negra para fora da boca, que ficou chicoteando no ar, ai ela se curvou e... eu me joguei no chão!

Foi bem na hora! A criatura passou por cima de mim e teria me pegado se eu tivesse hesitado! Ela rolou no chão e logo se pôs em posição de bote de novo e eu estava tentando me levantar, ainda abraçado ao filhote que tinha salvo. Deu para ver os músculos da perna do meu predador se contraindo, ela ia pular mais parou... encarou algo atrás de mim, emitiu um granido e saltou, dessa vez para longe, pondo-se claramente em fuga.

Virei-me, ainda prendendo a respiração, que quer que fosse era terrível o suficiente para imputar medo naquele demônio! Então eu o vi, usando uma armadura velha de briotita e levando uma espada bastarda e um fuzil nas costas.

-Co..comandante?

-Não devia andar por essas bandas a essa hora! É perigoso para quem não quer lutar!

Fui pego por uma explosão de sentimentos, vergonha, raiva, mas ao mesmo tempo aliviado.

-Eles acabaram com uma matilha de lobos aqui! Acho que caçam eles para...

-Mataram para te aterrorizar, estavam brincando com você.

-Comandante? Não acho que...

-Besteira! Essas coisas não são do seu mundinho, você não sabe com o que está mexendo.

-Então me explique! Quero dizer, por favor.

-Não vou perder meu tempo. Só aviso que elas estão crescendo em número, logo começarão a levar pessoas...

-Levar pessoas???

-Assim que elas tiverem tomado toda essa mata, as montanhas aqui em volta e os morros, elas vão começar a atacar as pessoas. Vão matar umas, se alimentar de outras e estas ainda terão sorte com relação àquelas que forem levadas para o ninho.

-Ninho?

-Sim, ninho, de onde estes pesadelos estão saindo. Fica num conjunto de cavernas, nas montanhas, ao longo dessa estrada, perto de onde era comum se ver lobos prateados...

-Na estrada? Essa não! É perto do vale dos lobos! Se elas infestarem aquele lugar elas fecham o único acesso para a cidade e...

-E nada, elas não pretendem isso.

-Comandante.

-Continuando! Os infelizes que forem sequestrados vão passar por um processo de transformação. Aquelas coisas transformam pessoas em monstros!

-...

-Tu não acredita né?

-Comandante, é que...

-Não importa como eu sei disso, se é o que ia perguntar, o que eu quero saber é se você vai lutar.

-Eu? Er... eu vou me casar e pretendo sair daqui logo, penso em levar meus sogros também e...

-Esquece! Vou te acompanhar até a cidade...

***

Não demorou muito para as previsões do meu comandante começarem a se revelarem verdadeiras. Durante três dias a cidade e as terras em volta sofreram com uma grande infestação de animais, todos fugiam dos bosques e das montanhas. Depois começaram a sumir alguns camponeses, a maioria caçadores e lenhadores que tinham que se embrenhar pelas florestas. Dos que sumiam, poucos retornavam e de forma tão bizarra que logo aprendemos a não desejar o retorno dos desaparecidos e a executar qualquer um que ousasse voltar. 

Apesar disso, ninguém se deu ao luxo de investigar as causas do problema. Quando porém um casal de nobres desapareceu (e isso foi na véspera do meu casamento) é que a guarda da cidade resolveu agir: montou uma expedição para buscar os extraviados, caçar a origem do problema e se possível dar cabo dela de uma vez. 

O problema era que aquela guarda não era nada menos que parte das milicias pessoais da nobreza local, "emprestada" para a segurança urbana. Serviam muito bem para manter o poder local fazer cumprir os mandos e desmandos dos seus senhores, mas nunca combateram o bom combate e não tinham a menor disciplina. E eu queria muito que a expedição desse certo, aquilo ameaçava meu futuro e minha futura família, mas sabia que aqueles homens não fariam nada melhor do que serem ceifados...

Não vou dizer que logo pensei em me voluntariar para liderar aquela trupe logo de início, o ultimo encontro que tive com aquelas criaturas ainda me horrorizava, além disso eu não queria realmente correr riscos que, na minha opinião, não eram minha obrigação correr! Mas eu, diferente dos outros habitantes do local, não era tolo o suficiente para achar que um resultado negativo naquela expedição não me afetaria no futuro e eu sabia que eles precisavam de uma liderança experiente. 

A primeira coisa que pensei foi em procurar meu ex-comandante, procurei o dia todo, já que meu casamento havia sido cancelado e adiado até que o sacerdote decidisse que a ira dos deuses havia cessado. Infelizmente não encontrei nem sinal de meu antigo líder de esquadrão e cheguei a achar que talvez ele tivesse comprado a dele lutando com aqueles demônios. 

Entrei abatido em minha casa e nem a festa animada com a qual o meu lobinho me recebeu (sim, eu levei ele para casa) me levantou o astral. Fui até meu quarto e retirei minha espada de seu esconderijo. A minha intenção era somente relembrar os velhos tempos e dedicar uma prece ao meu amigo desaparecido, porém, quando eu vi a lâmina, pensei que talvez eu pudesse ao menos vingar a morte de meu comandante. Tomei coragem, arrumei minhas coisas, afiei e embainhei minha espada e saí com a intenção de tomar o comando da expedição.

Só que mal sai de casa e dei de cara com Meredy:

-Hã? Que é isso meu amado? Por que está com essa espada? Não tinha prometido se desfazer dela?

-Meredy eu...

-Não me diga que pretende acompanhar aquela expedição?

-Eles prec...

-Meu amor e se você morrer? E se você for pego? Quem vai me proteger se esse mal avançar para a cidade?

-Mas...

-Quer que eu perca meu noivo? Quer que meus pais me obriguem a me casar com outro? 

-Não!

-Por favor! Deixe as tarefas de bárbaros para a plebe! Você tem futuro! Tem família! Não seja egoísta!

-Meredy!

-Por favor, jogue fora essa... essa ferramenta de ignorantes! Prove seu amor por mim!

Não consegui resistir, Meredy estava chorando e eu já não estava animado mesmo em participar daquilo. Além do mais, pensava eu, a culpa da baixa do meu ex-comandante era toda dele, que estúpido achar que poderia sozinho enfrentar aquelas coisas... Resolvi então fazer o que achava que era o certo:

-Está bem minha querida, não chore, só estou indo me desfazer de uma vez por todas dessa espada.

-É verdade?

-Juro do meu coração.

***
Você que me conhece hoje pode até achar que eu menti para ela, mas não, o idiota aqui foi realmente jogar aquela arma fora. Engraçado como muitas pessoas acham que, por não serem "militares" oficialmente, elas não tem obrigação nenhuma para a defesa do seu lar... hahahaha, como se aquelas coisas fossem fazer distinção de "guerreiro" para "civil" na hora de vitimar alguém.

Eu resolvi jogar minha companheira de batalhas no lago onde outrora eu e Meredy passamos bons momentos juntos. O local havia sofrido uma bruta transformação: a vegetação havia secado, o chão havia rachado, os animais haviam desaparecido e a água havia sumido, dando lugar a uma substância transparente, viscosa, brilhante e mal cheirosa. 

Arremessei minha lâmina no lago e fiquei observando ela afundar. No entanto não tive muito tempo para pensar no que fiz, senti algo por perto, tentei me virar, mas esse algo se lançou contra mim e acabamos caindo no lago! Senti a substância asquerosa por todo o meu corpo, tentei me levantar, mas o meu agressor me forçou a ficar imerso! Entrei em desespero, acabei soltando o ar, comecei a beber aquele líquido nojento e não demorou muito para que eu perdesse meus sentidos.

2 comentários:

  1. Continua otímo, mas não sabia desses detalhes da transformação, kukuku
    PS: Não sei por que, mas em uma parte eu imaginei uma succubus! e-e'

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    1. Obrigado por comentar e imagine o que quiser! Não entrei em detalhes exatamente com esse objetivo.

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