domingo, 19 de agosto de 2012

Luar prateado parte II

-Oh! Opa! Olha só quem eu vejo aqui! - Gritou ele do bar... Eu sempre esqueço que se a gente olha demais a pessoa percebe...

-Meu comandante! Que surpresa ver o senhor por aqui! - Disse eu sem me mover - Desculpe não poder conversar, estou um tanto ocupado! - Mal fiz menção em me mover...

-Espera ai! - Não foi um pedido, foi uma ordem. Eu não estava mais subordinado a ele, mas a força do habito...

-Vamos conversar? Para onde você está indo? Vou pegar o mesmo caminho e assim a gente conversa no caminho.

-Vou para a casa da minha noiva comandante. - Menti, estava indo para a loja, mas achei que com isso me livraria dele. Entenda mais uma vez, eu presava muito meu comandante, mas tinha medo dele tentar me arrastar para fora da vida que eu construí.


-Sem problemas! Lhe acompanho pelo caminho. - Doce ilusão... o comandante nunca largava um osso.

-Então comandante, como vai o senhor? O que faz por essas bandas?

-Bem. - Seco e direto, ele não estava ali de passagem - Vou bem. E você o que tem arrumado? - Ignorou sumariamente minha segunda pergunta e eu sabia que não adiantaria repeti-la.

-Montei uma oficina de engenhocas comandante, tem prosperado bastante, pretendo me casar e ingressar na real academia de engenharia em breve.

-E seu cavalo?

-Mantenho-o no rancho de meu sogro. Tärhil sempre foi um bom companheiro, além disso uso-o para viagens... Mas logo vou ter que comprar uma carroça ou um veículo automotor... Não tem muitos destes por aqui, mas tem muitas carroças a vapor e fui eu que as fiz. Não demora muito e eu faço meu auto! Na verdade quero ingressar na academia para isso...

-Entendo. E sua espada?

-Está na sala da minha casa. Reluz como nunca reluziu antes...

-Claro! Quando em combate eu mandava vocês enegrecerem as lâminas. Pratica muito com ela?

-Comandante, desde que vim para cá eu ando meio ocupado.

-Entendo. E sua armadura?

-Erm.... Bem... o elmo eu perdi, a couraça eu vendi e a cota está na casa dos meus pais.

-É uma pena, era uma boa armadura, era de briotita certo?

-Sim senhor, toda feita desse raro mineral, podia resistir até disparos de rifles menores.

-Não devia ter desfeito dela.

-Com todo o perdão comandante... ela não me tinha mais utilidade.

-Não?

-Comandante, a guerra acabou, os tempos são outros, não sou mais militar... - Não tive a audácia de incluir ele nessa afirmação, ele me esbofetearia ali sem dó - e agora quero construir minha família, ter filhos e ter uma carreira de sucesso trabalhando com máquinas a vapor e máquinas de combustão.

Ele me segurou pelo ombro. Virei-me e ele me encarou:

-Como assim não é mais militar?

Ele fez o favor de se incluir na minha afirmação, de tomar as minhas dores e de ficar bem raivoso comigo.

-Comandante, a guerra acabou e com ela o exército real. Não temos mais o que fazer além de tocarmos nossas vidas! - Já aproveitei para voltar a andar.

-Uma vez cavaleiro, sempre cavaleiro! Cacete! Não é por que não tem mais um contracheque dizendo que você deixou de ser militar!

-Pelos céus comandante! No fim da guerra foi o senhor que disse que era para eu esquecer tudo e procurar uma nova vida!

-Não disse para matar sua essência!

-Comandante, tenho que ir. é a casa de minha noiva. Boa tarde.

-Boa tarde. Depois a gente conversa mais. - Dito isso ele me fez a saudação militar local, mas eu não retribui.

***

Entrei, entrei sem bater na porta, sem me anunciar, na casa da família de Meredy. Isso seria uma grosseria muito mal vista naquela época, mas eu estava angustiado demais para pensar em alguns costumes.

-Mas o que! Nossa! Parece que você viu um fantasma! - O Pai de Meredy estava na sala.

-E vi... e vi...

-Querida! Faça uma efusão para o rapaz! MEREDY!!! Seu noivo está aqui! Sente-se rapaz, sente-se.

Meredy desceu as escadas com pressa, sua mãe me veio com uma bebida alaranjada, quente e bem cheirosa e eu quase me joguei numa poltrona.

-Oh! Querido, está branco!

-Hahahaha! Isso ele sempre foi - Brincou o pai dela

-O que aconteceu? - Perguntou a mãe... já era hora de me recompor...

-Hum... nada... nada.  Ah... Meredy... erm... Posso sair com Meredy, para um passeio, hoje? - Disse me dirigindo ao pai dela.

-Hoje é dia comercial, você deveria estar trabalhando, mas... pelo visto você está realmente precisando de um descanso hehehehe. Que mal lhe pergunte, que tipo de passeio.

-Queria passar um tempo com ela...

-Que tal um piquenique? - Disse Meredy tão prontamente que até ela se assustou com sua "audácia". - Ah... q-quero dizer a-acho que é...

-É uma boa sugestão minha noiva! - Disse tentando desembaraçar a situação - É meio em cima da hora, mas dá para nos arranjarmos... isto é se seus pais permitirem.

-Tem minha permissão - adiantou o pai.

-Certo! Vou aprontar a cesta...

-Deixe que eu faço isso minha filha - disse a mãe - Vá arrumar-se!

Meredy subiu animadamente para o seu quarto e eu fiquei proseando com seu pai, na sala, enquanto a mãe improvisava algumas guloseimas para levarmos.

***
Foi uma tarde agradável no final das contas. Passamos todo o tempo junto na beira de uma lagoa muito bonita e conhecida na região. Meredy não me deixou pensar no meu passado, o tempo todo me questionava sobre o meu... o nosso futuro: Casamento, filhos (queríamos muitos), velhice e com tudo isso, quando a morte chegasse, não seria assim tão ruim.

Hehehehe, pode imaginar, sonhava em ter uma vida tranquila, morrer aos sessenta, setenta anos, ter filhos e netos, boa carreira... trabalhar com o que gosto, parecia o melhor que eu poderia ter! Era como se eu tivesse esquecido de toda aquela energia destrutiva correndo e crescendo pelo corpo até conseguir sair numa explosão durante uma carga!!! Ahhh! Eu ainda sentia aquilo sim, um pouco, mas usava com coisas bobas! Uma discussão com um cliente, um mal dito contra um pivete... Achava que seria uma sorte se apagasse o pouco desse fogo que restava em meu coração.

Aliás foi um pouco disso, um pouco de não conseguir deixar as coisas para trás que me fez tomar o assunto com Meredy, enquanto nós voltávamos do passeio.

-Sabe... Estou com vontade de voltar a portar minha espada... o que acha?

-Credo! Aquele trambolho?

-Era... é um costume entre os cavaleiros.

-Você não é mais cavaleiro.

-Já fui. E uma vez cavaleiro sempre cavaleiro.

-Besteira! Se houver uma guerra, depois que nos casarmos e tivermos filhos você vai ir lutar?

-Bem er...

-Bem nada!! Acha legal matar pessoas? Resolver o problema de outros na ignorância e na força bruta? E se você morrer? Quem vai cuidar de seus filhos? Gostaria que eu arrumasse outro marido? Tivesse que ser uma amante paga de um homem de posses?

-Não!

Ela me abraçou forte.

-Então por favor não comece com essas ideias! Se não eles crescem e logo lhe tomam todo! Você é inteligente e bonito demais para isso, eu lhe amo e não quero ver fazendo papel de... de bárbaro!

-Meredy...

-Veja essa cidade! Pessoas dignas e de alta classe! Nenhuma dessas famílias se meteu com guerras! Olhe! Em quanto todo o país foi arrasado, aqui prosperou! Violência não leva a nada!

Me apertou mais forte. Parecia que ia chorar.

-Meredy, tudo bem... foi só um devaneio, prometo não fazer isso nem tocar no assunto.

-Jura? Jura por mim?

-Juro. Vou até jogar aquela espada fora.

Falei aquilo sem pensar e não demorou segundos para me arrepender do que disse, mas já era tarde.

-Oh amor! Faça isso! Ficarei muito grata se fizer!

Levei Meredy para a casa dela, jantei lá e passei boa parte da noite tendo uma prosa amigável com sua família, por fim adiantei a data do casamento para o final do mês e me pus de partida, afinal de contras já era bem tarde e se eu ficasse um pouco mais lá, minha guria poderia ficar mal falada.

Fui caminhando pela estrada, não levava Tärhil para a cidade pois eu tinha um tanto de vergonha dele que, sendo um cavalo de guerra se portava muito mal em ambiente urbano. A questão é que mal dei alguns passos e eu senti que eu gostaria de estar montado... do outro lado da estrada, agachada e me encarando estava aquela horrível criatura de novo! Pele branca, musculosa, garras e dentes grandes e afiados, aquela língua negra sibilando... Ela ia dar o bote, ia dar o bote em mim e eu estava petrificado pelo horror...


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