domingo, 9 de setembro de 2012

Luar prateado parte IV

Eu não lembro muito de como eu acordei, acho que fiquei meio anestesiado por quase um dia inteiro, com a vista trêmula, sonolento, sem conseguir sentir nada: frio, calor, dor, cheiro, ou gosto. A questão é que quando me dei por mim, eu já sabia que eu estava flutuando, imerso em um líquido estranho, um tipo de gelatina. Já sabia também que aquilo tinha um cheiro forte e nauseante, já sabia que estava com dor e com frio. Sabia disso tudo, mas não tinha parado para pensar ainda.

Até que lembrei que eu precisava de ar!

Eu notei que eu estava numa casulo translúcido e não perdi tempo em rasga-lo com minhas garras! Isso mesmo garras, minhas mãos ganharam grandes garras negras e meus antebraços estavam cobertos de pelos prateados! Logo que notei isso meus pelos eriçaram, a pelagem começou a subir meus braços e eu senti uma dor insuportável no corpo! Olhei para baixo, minhas pernas estavam peludas e... pelo grande universo... meu tronco estava rachando! Senti uma dor lancinante em minha face e não aguentei, desmaiei.

Acordei novamente, no chão duro e frio de uma caverna, a minha frente estava o casulo rompido, com um aspecto bem apodrecido. Eu me levantei com bastante dificuldade, estava atordoado, com fome e sentindo muita dor. Notei que estava quase "normal"... haviam alguns tufos de pelo prateado pelo meu corpo e eu estava muito magro, mas no geral ele estava normal. Vi também que eu estava nu, mas não me importei tanto com isso na hora.

Olhei em volta e vi que estava em uma caverna, uma caverna pequena, clareada pela grande abertura que era sua entrada. Respirei fundo, o ar era pesado e desagradável, carregado de podridão, eu acho que teria vomitado, se tivesse algo na barriga para jogar fora. Foi como se eu tivesse ido e cheirado cada canto daquela caverna, não precisei nem ver para saber que haviam outros casulos podres naquele lugar, que haviam restos de lobos por todo o chão e que havia algo diferente no fundo da caverna. Me virei, vi e acho que nunca senti tanto medo na minha vida.

Era uma criatura gigantesca, devia ter uns três metros de altura, ela tinha duas pernas incríveis e quatro braços, um par grosso e robusto terminando em uma mão de apenas três dedos e outro mais fino terminando em mãos de cinco dedos, digo, mais fino em comparação com o outro par, por que mesmo este devia ser mais grosso que minhas pernas juntas! A cabeça da criatura era ovalada na frente e se estendia formando um losango atrás! Ela tinha quatro olhos muito negros e dentes pontudos, grandes e afiados! Sua pele era fibrosa e da cor da mais pura prata! Eu senti muito medo, senti que aquilo ia me atacar! Mas de repente o medo sumiu e a criatura, num só salto, saiu para fora da caverna e foi embora correndo.

 Eu resolvi fazer o mesmo, tinha que voltar para a casa, tinha que comer, descansar e principalmente, tinha que ver como estava Meredy. A passos cansados, pus-me a marchar até a cidade.

***

Não faço a menor ideia de como consegui me orientar, bem, na verdade faço, mas isso não importa, o que importa que depois de quase um dia andando eu cheguei no rancho da família da minha noiva. Rastejei até o casarão e bati na porta, por algum motivo eu tinha esperança que minha amada estivesse lá, que ela cuidaria de mim e que eu poderia descansar, mas quem atendeu a porta foi uma empregada, ela gritou e eu desmaiei.

Acordei no porão da casa, estava deitado em algo fofo e coberto, mas também notei que estava preso por grilhões e algemas. Tentei me levantar e consegui sentar na minha "cama". Vi que dois empregados do meu sogro me olhavam severamente, ambos portavam machados e não estava com um olhar receptivo. Uma empregada me deu algo para beber e um mingau para comer e depois se retirou. Fiquei quieto esperando minha sina.

Não demorou muito e a empregada voltou com meu sogro. Ele entrou ficamos nos encarando por um tempo, até que ele quebrou o silêncio:

-Consegue me compreender?

Assinalei com a cabeça que sim.

-Faz quase um ano que você desapareceu...

Um ano? Para mim foi um espanto! Eu já suspeitava que tinha perdido algum tempo, mas não tinha imaginado que havia sido tanto.

-E pensamos que você tinha sido pego e morrido... antes fosse essa a verdade... veja só, justo meu ex-genro um transformado!

Foi um baque para mim! Eu não tinha pensado em nada direito ainda. Transformado? Mas o pior foi a palavra "ex-genro".

-E...ex-genro?

-Entenda, foi duro para a gente, até gostávamos mesmo de você, mas você sumiu, minha filha ficou bastante abalada, um outro rapaz apareceu, um filho de um nobre, bom moço, consolou ela e... bem, eles já estão noivos...

-Não! - Senti meu coração bater mais rápido, meu corpo todo começou a doer.

-Esperava o que? Que minha filha ficasse solteira para sempre?

-E...eu voltei...

-Ridículo! Olhe para você! Um monstro! Um transformado! Antes estivesse morto!

Senti minhas mãos ardendo, senti que ia explodir, mas de repente consegui ficar calmo.

-Escute rapaz, não lhe desejo mal, mas você não pertence mais à essa distinta sociedade. Conhece as leis, todo e qualquer capturado que voltar deve ser executado. Eu não quero fazer isso com você, por isso, por favor, não volte mais aqui, não procure mais Meredy, fui claro?

-V..vai me libertar.

-Vou sim, não quero carregar sua morte.

-Certo...

Não consegui agradecer. Me deram mais um pouco de mingau, me vestiram alguns trapos e depois, ainda acorrentado e com um saco na cabeça, me levaram pela mata e me abandonaram em uma clareira. Eu ainda estava bem fraco e não tinha a menor esperança de me libertar daquelas correntes... sim, eles não se deram ao luxo de tira-las de mim. Esperei que a morte viesse me buscar, mas outro me encontrou antes.

***

Meu comandante. Ele vestia uma armadura estranha e empunhava uma espada negra, mas na hora não notei direito, não queria saber de nada, queria morrer.

-Ora! Você? Aqui? 

Não respondi nada, nem olhei para ele.

-Que correntes são essas? hahaha... sempre ouvi dizer que o casamento acorrentava as pessoas, mas sempre achei que fosse mera figura de linguagem!

-Eu não me casei. -Respondi quase que rosnando.

-Eu sei que não. - O tom de voz dele mudou, ficou mais sério - Sei que você foi capturado e modificado.

-... Vai me matar então? - Não foi nem uma pergunta, foi uma espécie de apelo sem muita emoção.

-Não, não vou. Erga esse braço para eu poder tirar essas correntes.

Fiz o que ele mandou. Ele usou a espada, a lâmina da espada ficou estranhamente "trêmula" e ele cortou as minhas algemas como se fosse manteiga.

- Vou tentar te recrutar, de novo.

-Perda de tempo. Eu não sirvo mais para soldado, não sirvo mais para nada, sou uma escória...

-E dai?

-Sou um transformado, sou parte do inimigo!

-É mesmo? Quantas pessoas você já matou?

-hum...

-Pelo inimigo! Não conte sua vida de cavaleiro.

-Eu não quero matar ninguém. Mas posso perder o meu controle e...

-E o que?

-Não sei. Atacar meus colegas, até o senhor talvez.

-Acha que não consegue se controlar?

-Não consigo mais nada... sou um lixo, faria um favor se me matasse.

Eu não estava pensando nisso na verdade. O fato é que eu estava cheio de pena de mim mesmo e estava me vendendo como escória a fim de ouvir algumas palavras motivadoras. Infelizmente eu estava conversando com o comandante.

-Não vou te matar. E não se preocupe em me atacar, na atual circunstância você tomaria uma baita de uma surra!

-Ah! É por que você não viu os outros transformados... o mais fraquinho precisou acabou com mais de vinte homens da guarda antes de ser parado...

-Até aquelas porcarias tem mais dignidade que você! Se não fosse amigo meu eu não insistiria em te chamar para vir comigo.

-Então o senhor está me chamando só por amizade.

-Isso. E pena talvez.

-Então desista, só vou ser um fardo...

Nem terminei de falar isso e o comandante me segurou pela gola e me deu uma baita de uma sacudida!

-VOCÊ VEM COMIGO ENTENDEU??? NÃO É UM PEDIDO!! É UMA ORDEM!!! VOCÊ VAI VOLTAR A SER UM SOLDADO E É AGORA!

Foi como se a explosão de raiva dele tivesse expulsado todos o pesar do meu espírito, não consegui pensar em mais nada! Só consegui responder uma coisa:

-Sim senhor!


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